30/11/2014

Chaves e Chapolin eternos

Nada é mais difícil que unir a América Latina, nem o futebol consegue isso, que o digam os brasileiros com o Pelé e os argentinos com o Maradona. O Chaves do Oito e o Chapolin Colorado conseguiram, são idolatrados de Tijuana a Ushuaia, mesmo com 30 anos sem gravar um episódio.

Vários experts em televisão já explicaram os motivos, é uma comédia que não subestima a inteligência do espectador, mesmo sendo uma criança, é um local que faz parte da infância rural/suburbana de muita gente, são relações de poder que se refletem no cotidiano, os trejeitos se repetem.

Acima de tudo isso existe um sentimento estranho de fraqueza e auto-ironia que une a nós, latino americanos, como nenhuma outra coisa. A fraqueza das nossas posses, das nossas instituições, a fraqueza da justiça e das pessoas desfavorecidas, a auto-ironia de saber debochar de si próprio como alternativa de resignação às derrotas constantes.


Tudo isso nos une, de Tijuana a Ushuaia. Sempre vai ter um vizinho com uma bola que queremos e não podemos ter, sempre vamos apanhar por algo que não fizemos, às vezes, seremos expulsos da nossa vila por um crime que não cometemos e sempre terá Acapulco para irmos nos divertir mesmo sem pagar 14 meses de aluguel.

Essas contradições são tipicamente latino americanas. Bolaños pode não ser o melhor roteirista do mundo, nem do seu país. Poderia ter ideias que não condizem com a sua prática - mas qual outro conseguiria trazer realidades tão caras a nossa situação política e social?

E que outro professor nos ensinou as histórias de Colombo, de Fausto, de Napoleão, de Chopin, de Guilherme Tell e até astronomia básica - "não são pedras, são aerólitos!" - de forma tão divertida e tão grudenta, para não esquecermos nunca?

Sempre vão ter aqueles para dizer que é apenas uma valorização da "cultura trash", do "ruim divertido", o "ruim cult". Assim como os estádios da América Latina, repletos de cachorros em campo, sinalizadores, arquibancadas de madeira, papel higiênico no gramado - ora, não gostam? Fiquem com sua assepsia de arenas multiuso e comédia hospitalar. Ninguém é obrigado a gostar. Respeitem quem se identifica com aquilo que está perto da sua realidade, ou é difícil encontrar uma criança abandonada com um saco de roupas, na sua esquina?

Bolaños se despede com a contradição maravilhosa de ter a sua morte anunciada no intervalo da sua vida, em uma das tantas reprises que o representam como completo no SBT. Bolaños se despede como nós, na dúvida entre a morte e a não-morte, na comoção e no choro generalizados daqueles que, mais que admiraram, mais que amaram, sentiram o que Chaves sentia.

Bolaños se despede para seu descanso merecido, enquanto aqui seguimos fazendo suco de tamarindo com a água da chuva.

Obrigado, Chavo del 8 e El Chapulín Colorado.

Luís Felipe dos Santos

Texto extraído de Impedimento

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